A condenação religiosa à maçonaria começou com o Papa Clemente XII no ano de 1738, com a expedição da bula apostólica “In Eminenti Apostolatus Specula”. Anteriormente, sempre tinha havido aceitação da Igreja à Maçonaria, tanto que os maçons operativos construíram várias catedrais.
Em 1717, por iniciativa de pastores protestantes ingleses surgiu a Grande Loja da Inglaterra, primeira potência maçônica. O conflito então existente entre católicos e anglicanos, que faziam parte do movimento de contra-reforma da Igreja Católica, contribuiu para que a intolerância religiosa atingisse a Maçonaria. Essa intolerância foi apoiada por alguns reis absolutistas, que temiam que as reuniões secretas da maçonaria pudessem por o Estado em perigo.
No ano de 1751, o Papa Bento XV reproduziu quase integralmente a condenação de Clemente XII e nos anos seguintes várias outras condenações papais foram divulgadas, principalmente após 1800, em decorrência do processo de unificação da Itália, liderada por Carbonários e Maçons, quando a Igreja perdeu grandes extensões de terra.
Tais condenações alcançaram os degraus inferiores da Igreja e vários vigários passaram a difamar os maçons acusando-os de serem instrumentos do diabo para destruir a Igreja e o Papado, fixando a cultura antimaçônica atualmente conhecida.
Origem da interpretação do pentagrama invertido
Em 1856, Eliphas Lévi colocou lenha na fogueira ao associar o símbolo do pentagrama colocado no sentido oposto, ou melhor, com a ponta posicionada para baixo, aos maus instintos e à figura do Baphomet, que já havia sido usado pela inquisição católica para acusar os Templários de adorarem Satã. Ele associou o pentagrama com a ponta para cima à figura do corpo humano com alta espiritualidade, mas, colocado com a ponta posicionada para baixo, associou-o aos maus instintos e à figura do Baphomet. Curiosamente ele afirmou que se a pessoa invertesse as letras de Baphomet, obteria a frase latina "TEM O H P AB" que seria a abreviação de "Templi Omnivm Hominum Pacis Abbas", ou "O Pai do Templo daPaz de Todos os Homens". Isto era uma referência ao Templo do Rei Salomão, capaz de levar a paz a todos. Até hoje se discute o real significado do Baphomet dos Templários, sem que haja concordância entre os historiadores. C.Knight e R.Lomas, descobriram que aplicando-se o Código Atbash (código secreto da Comunidade de Qumran) ao nome de Baphomet, revela-se a palavra Sophia (sabedoria, em grego). Entretanto Lévi fazia menção em seus escritos a um“Baphomet dos Templários, o ídolo adorado dos alquimistas, o deus obsceno de Mendes, a cabra do Sabbath”, e o bode negro do Sabbath era o símbolo que supostamente cultos demoniacos adoravam em seus rituais.
Há que se reconhecer que Lévi efetivamente nunca fez uma associação do Baphomet à Maçonaria. Isto foi obra de Leon Taxil, que havia sido iniciado na Maçonaria, mas fora expulso ainda como aprendiz e, talvez por vingança, lançou em 1887 o livro "Os Mistérios da Franco Maçonaria", patrocinado pelo Papa, e inventou uma ordem maçônica altamente secreta chamada Palladium, onde descrevia um grupo de maçons endiabrados dançando ao redor do Baphomet, puxados por Eliphas Lévi, que era então falecido. Alguns anos depois, Taxil revelou em um salão lotado que nunca havia existido a tal "Ordem Palladium" e que ele havia inventado tudo com o apoio do Papa. Foi um escândalo monumental naquele dia de 19 de abril de 1897, mas mesmo assim a mentira continuou sendo aproveitada pelas novas gerações de religiosos intolerantes.
A leviana interpretação de Lévi, associada às fragrantes mentiras de Taxil, foram de fundamental importância para que os mal intencionados pudessem associar a magia negra ao nome da Maçonaria, pois para as entidades antimaçônicas, o fato do pentagrama ocupar lugar de destaque na Maçonaria desde o início do sec. XVIII, mesmo descartando a figura de Baphomet, constituía uma excelente oportunidade para associar a imagem do bode ao pentagrama invertido e chegar à desonesta conclusão de que todos os maçons tinham de ser adoradores do diabo. A má-fé foi tanta, que pouco importou os protestos e esclarecimentos, sempre solenemente ignorados. O curioso é que os críticos mais ativos estavam ligados à Igreja Católica, esquecendo que o pentagrama também já tinha sido usado como um símbolo cristão, representando, em suas partes, as cinco chagas de Cristo.
O simbolo do pentagrama sempre foi muito forte. Pitágoras considerava o numero cinco como um número “nupcial”, pois era o resultado da soma (2+3) do primeiro número par (representando o feminino – a terra) com o primeiro número impar (representando o masculino – o céu), e as várias tradições associaram este número com o Homem Primordial ou Andrógino. Dessa forma, o Pentagrama representou o emblema por excelência do microcosmo, nele se inscrevendo a figura humana representando o Homem Primordial. A tradição acrescenta aos quatro elementos (terra, água, ar e fogo) um quinto, chamado éter, simbolizando o espaço celeste e o espírito, unindo dentro de si todos os seres. No ser humano, o éter une a alma individual com a realidade universal, ou seja, o humano com o divino.
Como os historiadores não conseguiram encontrar exemplos de interpretação do pentagrama invertido como emblema do mal antes do Lévi, essa interpretação parece ter sido criação exclusiva dele. Tanto que até hoje para algumas correntes esotéricas, o pentagrama invertido nada tem a ver com a figura do bode maléfico e tenebroso, mas sim com uma figuração do ser humano transcendendo o nível material da existência e renascendo para uma vida nova, em um estado de consciência superior. Figurativamente, os pés não mais repousam na terra e sim nas estrelas, traçando um paralelo com a Árvore da Vida da Cabala hebraica, que tem uma representação invertida, com as raízes voltadas para o céu e a copa para baixo, simbolizando o caminho do processo iniciático de progresso espiritual. Neste sentido, a luz de Vênus tem sido representada como uma descida do espírito na matéria e seu possível retorno.
Castellani, em Liturgia e Ritualística do Grau de Companheiro Maçom, sustenta que para os ocultistas, todos os mistérios da magia, da alquimia oculta, todos os símbolos da gnose e todas as chaves cabalísticas, resumiam-se no pentagrama. Paracelso proclamou em XVI o pentagrama como o mais poderoso de todos os signos. Na era moderna, a estrela de cinco pontas com a ponta para cima, mas circunscrita em um círculo, tem sido frequentemente associada à wicca (bruxaria), e, de forma invertida, com a ponta para baixo, a satanás. Esclareça-se que a seita tradicional denominada satanismo não associa satanás ao demônio cristão, mas considera-o apenas como "adversário" de alguns procedimentos religiosos questionáveis, notadamente ligado ao conceito de justiça adotado pelo Deus do Velho Testamento, que é apontado como responsável pelo dilúvio e outras catástrofes. Na verdade, são questões de natureza filosóficas que sequer são consideradas pois são altamente distorcidas pela intolerância religiosa.
De fato, o Pentagrama até então sempre tinha sido considerado como um símbolo celeste do bem, representando Vênus, ou a “estrela da manhã”. A estranha associação feita por Levi, do pentágono com forças malignas e ocultas se deve provavelmente à equivocada interpretação cristã do significado do antigo nome latino de Vênus, Lúcifer, como veremos adiante. Estranhamente, as traduções da Bíblia de São Jeronimo (sec.IV) e do Rei Jaime (sec.XVII) adotaram em Isaías 14.12 um nome latino (lúcifer) para a Estrela da Manhã, embora o texto do Antigo Testamento tenha sido escrito em uma época em que o latim sequer era conhecido.
Origem da associação da Maçonaria com Lúcifer
Segundo a wikipedia, “A Igreja Católica considera Lúcifer como Satanás, que seria um anjo que se rebelou contra Deus e foiexpulso do Céu, apesar da Bíblia não ter uma passagem que explicite isso. A passagem usada para justificar a ideia queSatanás é sinônimo de Lúcifer é Isaías 14:12: 'Como caíste do céu, ó Lúcifer, tu que ao ponto do dia parecias tão brilhante?'.Trata-se de uma passagem controversa, pois os judeus consideram essa passagem que relata o desaparecimento da estrelaVênus diante da majestosidade do Sol, como uma alusão à crença de Isaias de que o Império Babilônico (cujo rei venerava aDeusa Ishtar, representada por Vênus) desapareceria diante do poder de Deus. Entretanto, a maioria dos cristãos consideraesta passagem como referente a uma queda física de um anjo, daí o porque denominarem Satanás como Lúcifer”. A wikipedia vai mais além: “Um dos problemas bíblicos ‘mais mortais’ é o das traduções. Tendo passado por várias traduções até chegar naversão conhecida atualmente, é evidente que muitas modificações tenham acontecido; a maioria delas involuntariamente. Umadelas é a da confusão entre os termos Satanás, Diabo e Lúcifer. Na íntegra, Satanás é um, Lúcifer é outro. Lúcifer seria ofamoso Portador da Luz (do latim Lux fero), Phosphoros e Hésperos, o planeta Vênus em seus aspectos matutino e vespertino.Diabo significa "acusador", do grego diabolos, e pode se referir genericamente a qualquer pessoa que acusa e se opõe a outra.Já Satanás significa 'adversário'”.
É importante acrescentar que na versão brasileira, a bíblia traz corretamente a seguinte tradução de Isaias 14.12: "Comocaíste do céu, ó estrela da manhã, filho da alva! Como foste lançado por terra, tu que debilitavas as nações!". Em uma outra passagem comprova que a estrela da manhã nada tem de diabólico, estando, ao contrário, associada a Jesus, como podemos ver em apocalipse (22, 16): “Eu, Jesus, enviei o meu anjo para vos atestar estas coisas a respeito das igrejas. Eu soua raiz e a Geração de David, a brilhante Estrela da manhã”. Se substituíssemos a "estrela da manhã" por "Lúcifer" em apocalipse 22.16, como ficaria a argumentação dos que acreditam realmente que que Lúcifer é igual ao demônio?
A associação de Lúcifer com o demônio foi feita por Orígenes no séc. III e depois por Santo Agostinho, no sec.IV, com base na tradução da Bíblia por São Jerônimo, possivelmente para resolver um dilema a respeito da natureza de Deus. No Antigo Testamento não existia a figura do Demônio representando o conceito do mal separado de Deus, pois o mal seria um castigo divino para as desobediências do homem e estaria a serviço do próprio Deus. No Novo Testamento, Deus deixa de agir de forma maléfica, para ser um autor totalmente benigno. Surge então a necessidade do Demônio para justificar o mal, mas se depara com o seguinte dilema: se Deus criou o Diabo e ele em si é o mal, então Deus criou o mal. Por outro lado, se Deus não criou o Demônio, então ele não é onipotente. Para resolver isso, eles recorreram a Isaías 14.12 para fundamentar a ideia de que o Demônio era originalmente um anjo bom criado por Deus, mas que pelo livre-arbítrio resolveu se tornar o mal: 'Como caíste do céu, ó Lúcifer, tu que ao ponto do dia parecias tão brilhante?'.
Este fato era conhecido por Albert Pike, Grande Comendador do Conselho do REAA para a jurisdição sul dos EUA, quando publicou em 1871 o livro Moral e Dogma, com menções elogiosas a "Lúcifer, o portador da luz! Nome estranho e misterioso adar ao Espírito das Trevas! Lúcifer, o Filho da Manhã! É ele quem traz a luz, e com suas cortinas de luz intoleráveis”.
Pelo sentido do texto, mostra que quando Pike se referia à Lúcifer, ele estava claramente mencionando a luz brilhante da Estrela da Manhã, associada a Jesus. Já era incontroverso que a base bíblica para associação entre Lúcifer e o demônio era completamente infundada, mas o fato de Pike utilizar, sem explicações adequadas, o nome de Lúcifer, evidenciou um descuido ou arrogância intelectual injustificada, pois praticamente todos os cristãos ainda acreditavam firmemente que Lúcifer era sinônimo do demônio. Se ele queria chocar, conseguiu (embora alguns argumentem que este era o estilo de Pike e que ele escrevia apenas para iniciados). Mas conseguiu também que os críticos antimaçônicos utilizassem seu texto durante longos anos para pretensamente provarem que a Maçonaria estaria ligada ao demônio. Pike falhou no principal objetivo de um texto: uma comunicação clara e objetiva, e o seu fracasso criou uma celeuma que até hoje necessita de explicações que muitos fazem questão de não ouvir.
Deixamos de analisar outro trecho a respeito de Lúcifer, atribuído também ao Pike, fora do livro Moral e Dogma, por existirem sérios questionamentos a respeito da autenticidade de suas fontes. De qualquer forma, este assunto moral ou metafísico de forças (divindades?) ligadas ao mal ou ao bem, apesar de dogmático, é filosoficamente muito polêmico, pois entende-se que o mal é da natureza do homem e não de Deus e, neste contexto, a falta da justiça retributiva tem estimulado os teólogos, ao longo do tempo, a especularem sobre uma outra vida e sobre o conceito de Karma.
Além disso, como vimos, alguns argumentam que as atrocidades cometidas pelo Deus do Antigo Testamento (como o dilúvio, Sodoma e Gamorra, e a ordem divina para exterminar sem misericórdia todos os antigos moradores de Canaã, inclusive mulheres e crianças, etc) deu oportunidade para a justificativa de que seu acusador ou adversário (diabo ou satanás) na verdade estaria contra aquele antigo conceito de justiça, ou seja a favor do bem. Esta discussão fica ainda mais complexa, quando outros argumentam que o demônio na verdade não existiria (não poderia ser criado ou tolerado por um Deus de amor) e que foi inventado apenas para levar a culpa da existência do mal, legitimando toscamente a argumentação de que o mal estaria acima da natureza humana (dentro do conceito de recompensa no céu e castigo no inferno), mas não viria do Deus do Novo Testamento, que é só amor. Por exemplo, no Budismo não existe a figura do demônio. O mal tem origem na ignorância, no desejo, na cobiça e nos projetos egoístas do homem e o fim do sofrimento deve começar com o aniquilamento da ignorância e do desejo.
Conclusão
Apesar de todas essas radicalizações e das explicações posteriores, hoje não é possível definir uma posição única dos cristãos a respeito da maçonaria, mas ao longo do tempo aconteceram algumas reviravoltas: No Concílio Vaticano II (1963-1965) a Igreja abriu suas portas e janelas para o mundo e revogou todas as bulas papais que condenavam a Maçonaria, acabando, portanto, toda e qualquer restrição expressa à Maçonaria. Entretanto, em 26 de novembro de 1983, o cardeal Joseph Ratzinger (atual Papa Bento XVI), então prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé publicou o seguinte declaração: “Foi perguntado se mudou o parecer da Igreja a respeito da Maçonaria, pelo fato de que no novo Código de DireitoCanônico ela não vem expressamente mencionada como no Código anterior. Esta Sagrada Congregação quer responder que talcircunstância é devida a um critério redacional seguido também quanto às outras associações igualmente não mencionadas,uma vez que estão compreendidas em categorias mais amplas. Permanece portanto imutável o parecer negativo da Igreja arespeito das associações maçônicas, pois os seus princípios foram sempre considerados inconciliáveis com a doutrina da Igrejae por isso permanece proibida a inscrição nelas. Os fiéis que pertencem às associações maçônicas estão em estado de pecadograve e não podem aproximar-se da Sagrada Comunhão. Não corresponde às autoridades eclesiásticas locais pronunciarem-sesobre a natureza das associações maçônicas com um juízo que implique derrogação de quanto acima estabelecido”. O Papa João Paulo II, durante audiência concedida ao Cardeal Ratzinger, aprovou aquela declaração, e ordenou a sua publicação. Possivelmente o próximo Papa pode pensar diferente.
Historicamente, nas igrejas presbiterianas e batistas era natural encontrarem-se membros e líderes que faziam parte da Maçonaria. No início do sec.XX houve a chamada "polêmica fundamentalista" que causou grande celeuma por conta do liberalismo teológico e outras questões, entre elas o problema maçom, o que chegou a provocar um cisma na igreja presbiteriana.
Atualmente,milhares de católicos, pastores e leigos evangélicos ao redor do mundo fazem parte das lojas maçônicas. Por exemplo, a maior denominação evangélica dos Estados Unidos, a Convenção Baptista do Sul, com alto índice de membros maçônicos – embora tenha listado vários perigos da Maçonaria – chegou à conclusão de que cada membro estava livre para seguir sua própria convicção.
Quanto ao evangélico pentecostal, este foi desde as suas origens um ferrenho adversário tanto do modernismo teológico, como da Maçonaria.
No texto introdutório à Maçonaria é feita a seguinte pergunta: “A Maçonaria é uma religião?”, com a resposta: “Não. A Maçonaria não é uma religião. É uma sociedade que tem por objetivo unir os homens entre si. União recíproca, no sentido mais amplo e elevado do termo. E nesse seu esforço de união dos homens, admite em seu seio pessoas de todos os credos religiosos sem nenhuma distinção”.
Talvez a conclusão mais importante seja que a maçonaria prega a liberdade religiosa, a liberdade de expressão, o predomínio da virtude e a investigação constante da verdade. Neste sentido, o principal ensinamento maçônico é constituído pela experiência subjetiva que cada Maçom tem da Ordem e da liberdade que cada um tem para viver e cumprir aquilo que ele entenda como seus ideais.
Texto de Manoel Tavares Santos
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